Antonio Carlos Wolkmer: professor emérito tem trajetória dedicada a um Direito crítico e transformador

17/12/2020 18:17

Reconhecido internacionalmente como um dos nomes mais expressivos da Ciência Jurídica contemporânea, entre os mais destacados pensadores críticos do Direito na América do Sul, premiado por sua produção científica e cuja vasta obra e incontáveis conferências proferidas difundiram o nome da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) pelo Brasil e por todo o mundo. Esses são alguns dos atributos destacados na proposta de concessão de título de professor emérito a Antonio Carlos Wolkmer, docente do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) aposentado após mais de 20 anos dedicados ao ensino, à pesquisa e à extensão. O título, uma homenagem da Universidade conferida a professores aposentados pelos altos méritos profissionais e relevantes serviços prestados à instituição, será outorgado em sessão solene do Conselho Universitário, às 14h30 da próxima sexta-feira, 18 de dezembro – data de comemoração do aniversário de 60 anos da UFSC.

“Desnecessário observar o quanto me emociona e me honra o título recebido de Professor Emérito da Universidade Federal de Santa Catarina, aprovado pelo Conselho Universitário em março deste ano de 2020. Não tenho como agradecer a proposta e a iniciativa do Centro de Ciências Jurídicas, coordenada, de forma louvável e meritória, pelo seu ilustre diretor, Prof. Dr. José Isaac Pilati, bem como o apoio do Prof. Dr. Arno Dal Ri Junior, durante sua gestão no PPGD [Programa de Pós-Graduação em Direito]. Recebo com elevada consideração tal homenagem, como consequência e retribuição a uma carreira exitosa, ao longo de quase três décadas dedicadas à docência e à pesquisa na UFSC. Uma carreira que se construiu e se consolidou em nível regional, nacional e internacional como pesquisador, docente e educador na missão de formar agentes transformadores do Direito e da Justiça, comprometidos com sua prática social”, declara Wolkmer.

Segundo Pilati, o professor “foi um dos grandes destaques do Curso de Direito, especialmente da pós-graduação, pela obra que produziu”. Seus trabalhos englobam as áreas de Pluralismo Jurídico, Direitos Humanos, Teoria Crítica, Interdisciplinaridade no Direito, Interculturalidade, Constitucionalismo Latinoamericano, História e Cultura Jurídica na América Latina e Estudos Descoloniais. “Antonio Carlos Wolkmer é conhecido no Brasil inteiro, no mundo inteiro, como um grande intelectual. É um grande conferencista e um intelectual de grande envergadura”, complementa o diretor do CCJ, ressaltando o quanto Wolkmer inovou em sua área de atuação e colaborou para o engrandecimento da graduação e da pós-graduação em Direito da UFSC: “é um professor que eleva o nível intelectual do país, que traz reconhecimento para nossa Universidade”.

Autor de extensa produção científica, Wolkmer “[..] é um dos nomes mais representativos da teoria jurídica crítica latinoamericana”, informa o verbete que leva seu nome no livro mexicano El pensamiento filosófico latinoamericano, del Caribe y “latino” (1300-2000). Entre obras de autoria e de organização, foram mais de 30 livros publicados no Brasil, além de oito traduzidos para o espanhol (lançados na Colômbia, no México e na Espanha) e de mais de uma centena de artigos publicados no Brasil e no exterior. Concomitantemente a suas atividades de pesquisa, de ensino e administrativas, atuou sempre com relevância também na extensão, principalmente com a participação e a organização de eventos.

Trajetória

Natural de São Leopoldo (RS), Wolkmer ingressou no Curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) em 1973. A docência não estava em seus planos iniciais: o que desejava era seguir a carreira diplomática. Dois fatores, contudo, foram determinantes para que optasse pelo magistério superior: sua eleição para orador da turma em sua formatura da graduação e o convite da direção da Faculdade de Direito da Unisinos para que, recém-formado, ministrasse aulas no primeiro ano do curso.

Imediatamente, conta ele, a empolgação e o compromisso com o ensino do Direito deixaram de lado a idealizada diplomacia: “Foi o início da opção profissional para abraçar o magistério e tornar-me professor universitário”. Wolkmer lecionou na Unisinos durante 15 anos, “em uma época em que não se valorizava o pesquisador, apenas o docente horista, sem o compromisso com um plano de carreira universitária, sem estabilidade empregatícia. Para começar essa missão, tive que contar com recursos próprios para fazer uma Especialização em Metodologia do Ensino Superior, em 1978. Foi natural o amadurecimento e o encaminhamento para cursar um Mestrado”, relata.

Em 1979, deu início ao mestrado em Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), “realizado com inúmeras dificuldades, pois não havia uma política de bolsas, tampouco tempo para a dedicação exclusiva, o que implicava em manter praticamente 40 h/a semanais em sala de aula”. Ali, pôde experienciar o diálogo com outras áreas das Ciências Humanas, “tomando consciência da importância da interdisciplinaridade e da busca de um conhecimento produzido na sociedade, para além dos códigos, legislações e tribunais. Foi o despertar para a pesquisa como produção transformadora da sociedade”. Entre os aspectos mais realçados no processo que culminou na outorga do título de emérito, aliás, está justamente sua formação crítica, reconhecida como consequência do caráter interdisciplinar de seu trabalho, que permeia os campos da Sociologia e da Cultura Jurídica, da Filosofia e da História do Direito.

“Nessa trajetória, imbuído de um espírito crítico, profundamente social, comprometido com a educação superior, tornou-se imperativa a complementação com o doutorado”, destaca Wolkmer. Assim, em 1989 veio para Florianópolis cursar o recém-criado Doutorado em Direito da UFSC – o primeiro do Sul do país –, “atraído pelo perfil de ser um programa inovador, crítico e receptivo às grandes transformações”. Em 1991, alcançou o primeiro lugar no concurso para professor assistente em Direito Público da UFSC.

Wolkmer não esconde o orgulho de pertencer a uma universidade federal, pública, gratuita, com estabilidade e plena autonomia universitária. “A UFSC favoreceu, impulsionou e consagrou a minha profissionalização como docente do magistério superior e legitimou uma exitosa atividade como pesquisador do CNPQ, reconhecido nacionalmente”, afirma. Ainda que suas atividades principais tenham sido o ensino, em nível de graduação e de pós-graduação, e a pesquisa, Wolkmer também presidiu e participou de dezenas de bancas de pós-graduação, comissões e concursos acadêmicos, bem como ocupou alguns cargos administrativos: teve uma breve passagem pela vice-direção do CCJ, entre o final de 2004 e o início de 2005; foi subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito de 2002 a 2006; e, de 2007 a 2011, assumiu as funções de coordenador do mesmo programa de pós-graduação.

Em 2015, aposentou-se como professor titular da UFSC, mas prosseguiu na Universidade por mais dois anos como colaborador. Na sequência, ingressou no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade La Salle, em Canoas (RS) – instituição da qual já havia sido professor do 2º Grau (antigo Ensino Médio) na década de 1970. Posteriormente, passou a integrar o quadro docente da Universidade Comunitária do Extremo Sul Catarinense (Unesc), na qual coordenou a implantação do Mestrado em Direitos Humanos e exerceu as funções de coordenador. Atualmente, Wolkmer se mantém trabalhando nas duas instituições, atuando na docência e na pesquisa, e, em todo esse tempo, continuou com intensa atividade como pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e como consultor de projetos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de ser membro vitalício da Academia Catarinense de Letras Jurídicas (Acalej), ocupante da Cadeira nº 10 – Osni de Medeiros Regis.

Pesquisa

Em 2007, Wolkmer criou o Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (Nepe) da UFSC, que coordenou até 2017. O Nepe se constituiu em um espaço de leituras, reflexões e produção para três eixos de pesquisa a que o professor se dedicou ao longo da carreira. O primeiro aborda a cultura jurídica na América Latina. O segundo envolve a discussão da crise do Direito ocidental na modernidade, suas novas possibilidades e alternativas, com ênfase na interdisciplinaridade e na descolonização. Por fim, o terceiro eixo é o pluralismo jurídico, expressão que identifica e compreende vários sistemas normativos na sociedade, sob uma visão de que o Direito como sistema normativo não existe apenas nos códigos e na lei escrita, mas está presente também na sociedade civil e nas lutas sociais.

O processo de outorga do título de emérito dá especial destaque para sua posição antiformalista e crítica ao positivismo jurídico e às concepções teóricas eurocêntricas. “[…] o autor se vincula ao forte apelo às raízes e matrizes latinoamericanas do pensamento crítico, guardando uma preocupação reflexiva desde a realidade concreta do continente.”

No momento, Wolkmer coordena o Grupo Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos da Universidade La Salle e o Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Cidadania da Unesc. Como pesquisador de nível 1-A do CNPq, agrega e orienta alunos da graduação (Iniciação Científica), do mestrado e do doutorado e supervisiona pós-doutorandos.

Sua carreira científica internacional também merece destaque. Wolkmer foi professor visitante em várias instituições, como Universidade de Buenos Aires (UBA), Universidade do Chile (Uchile), Universidade Nacional da Colômbia (Unal); Universidade de Antioquia (UdeA), entre outras. Além disso, é sócio da Sociedad Argentina de Sociología Jurídica (SASJU); membro do Grupo de Trabajo CLACSO: Crítica Jurídica e Conflictos Sociopolíticos, que contempla pesquisadores da Argentina, do México e do Brasil; da International Political Science Association (IPSA, Canada); do Instituto Internacional de Derecho y Sociedad (IIDS, Lima, Peru); e do Research Committee on Sociology of Law (RCSL).

Homenagens e reconhecimentos

Entre os momentos mais marcantes de sua carreira, Wolkmer faz questão de destacar a homenagem com o Nome da Turma dos formandos de 2015/2 do Curso de Direito da UFSC e o que ele considera a maior distinção recebida até a outorga do título de emérito: o Prêmio Destaque Pesquisador UFSC 50 Anos – Centro de Ciências Jurídicas.

Os reconhecimentos são consequência de uma trajetória de enorme sucesso, conforme enfatiza José Isaac Pilati: “O professor Antonio Carlos Wolkmer fez a carreira mais brilhante que poderia fazer. Conhecido no mundo inteiro, respeitado no mundo inteiro, com obras em outras línguas e traduzidas. E onde vai, ele tem uma plateia cativa. É um grande destaque nosso. Quanta gente ele orientou, quanta gente fascinou com sua pesquisa, com sua cultura, e também como conferencista”.

Leia mais

Perfil de Antonio Carlos Wolkmer publicado em 2017 na revista UFSC Ciência